Tadeus Mucelli fala sobre a temática e importância de uma Bienal com foco nas artes tecnológicas.

A Revista do centro cultural Oi Futuro, que receberá a Bienal de Arte Digital, entrevistou um dos curadores e idealizador do projeto. Tadeus Mucelli, conduz o FAD, Festival de Arte Digital, desde 2007 e fala agora sobre os novos planos para arte digital.

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O que o público vai encontrar nesta primeira edição da Bienal de Arte Digital, incluindo as principais atrações e as novidades que chegam pela primeira vez ao Brasil?

O que imaginamos para o público, a partir do tema da Bienal “Linguagens Híbridas” é uma composição de peças que se acoplam umas as outras a partir da exposição, e que sem dúvida alguma, se torna mais completa a partir das diferentes experiências também possíveis de serem absorvidas nas atividades das performances, oficinas e das discussões preparadas para o simpósio. Como a proposição da Bienal de Arte Digital nasce a partir das ações do FAD – Festival de Arte Digital com dez ano de atuação, o público possui outros “lugares” de exploração e vivência, estando a Bienal para além de sua exposição. A bienal é uma agenda para as artes. A 1ª semana é por isso das mais importantes da Bienal, onde são possíveis as conexões entre o fazer e o pensar da arte tecnológica no mundo e no Brasil. Estamos em diálogo intenso neste sentido. Sobretudo, o público irá encontrar novas conceitualizações do que podemos compreender a respeito da arte computacional, digital, eletrônica e principalmente, a arte e sua relação na contemporaneidade das sociedades. Imaginar o digital e as tecnologias diante da digitalização da vida, conforme incessantemente fizemos nos últimos dez anos, pode não ser como de fato o presente se apresenta nas sociedades. A arte não está ausente destas questões. Pelo contrário, ela se torna um fio condutor de disrupções do que é dado como exato, certo e presente. Portanto, instigamos o público a perceber  as problematizações encontradas em nossa vida através da arte, e por meio dela, buscarmos novos acoplamentos, para uma organização de sociedade, diferente dos atuais caminhos, principalmente no que tange o uso da informação e das tecnologias. Destaco uma percepção mais global da Bienal, como um todo que faz sentido. Uma percepção de mundos distintos e complementares, onde o público terá contato com trabalhos de biotecnologia e bio-criação, altamente desenvolvidos e também esse mesmo público se encontrar e conectar-se as processos tão pioneiros na historia da humanidade quanto também inovadores de criação e fruição numa perspectiva reversa do entendimento de hibridismo e tecnologias.

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Você pretende trazer para debate a experimentação de novas linguagens artísticas com o uso de novas ferramentas e tecnologias. Como foi a curadoria do evento e a seleção dos trabalhos escolhidos?

Acredito que há um grande grupo de pessoas entre artistas, curadores, pesquisadores, profissionais de diversas áreas, pensadores e críticos no Brasil principalmente, preocupados com o debate sobre a experimentação em diversos campos. Nas artes isso é mais comum. A arte é o lugar da experimentação e construção de utopias e de novas realidades. Mas no caminho do hibridismo que as artes tecnológicas tem nos levado, o encontro do outros campos tem levantado novas questões, novos objetivos e novos desafios do pensar e fazer arte. Foi com esta intenção que formamos um conselho curador convidado para esta nossa primeira Bienal, do qual estão representados, acadêmicos, artistas, profissionais técnicos, produtores de cultura, diretores de arte, entre outros, com a proposição de um olhar holístico sobre o hibridismo das linguagens e como seriam tais conceitos imbricados uns aos outros entre os vastos campos e áreas que acumulam a tríade arte , ciência e tecnologia. Diferente de Bienais tradicionais com curadorias paralelas, independentes, representações internacionais e etc, buscamos manter a prática do edital público de envio de trabalhos, onde os próprios interessados em participar da Bienal propunham seus trabalhos em conexão a temática “Linguagens Híbridas”. O impacto foi muito interessante porque tivemos um alto índice de inscrições em conexão ao tema, o que gerou cerca de mais de 400 horas dedicadas a seleção. O conselho curador se reuniu por 6 etapas com cerca de 20 encontros com todos os presentes, onde deliberava trabalho por trabalho, inscrição por inscrição, pontuando os conexionismos e discussões propostas por cada um deles. Cerca de 140 trabalhos chegaram a fase final, de um total de 675. Evidentemente que esse número era extremamente alto, e foram focalizados os esforços de topa equipe do Conselho curador e comissão organizadora até chegarmos aos selecionados em torno de 20 trabalhos ao todo. As escolhas são sempre muito difíceis, mas acreditamos que os selecionados, somados aos convidados diretos os quais norteiam a temática como âncoras conceituais, representam fielmente o nosso diálogo das linguagens híbridas nas artes tecnológicas.

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Fale sobre o simpósio internacional e os destaques da área de pensamento.

O simpósio foi dimensionado para que o hibridismo de reflexões fizesse parte dele, não obstante de toda a programação que propomos como nas oficinas, performances e exposição. As perguntas que o simpósio pretende trazer são a respeito do que podemos compreender enquanto híbrido na sociedade e nas artes. De que forma ele está e/ou se apresenta, ou ainda, talvez dependa muito mais de uma compreensão nossa sobre antropotécnica e a vida. Mais do que pensar sobre as novas tecnologias e sobre a nossa performance diante das máquinas, das novidades da ciência, busca-se compreender o humano no uso de todas estas condições de indústria e política. O Simpósio esta composto de artistas, pensadores, acadêmicos. Joe Davis (MIT) sem dúvida, é uma honra tê-lo em nosso programa. Com 66 anos é um dos mais importantes Cientistas que temos com atuação nas artes, sempre trabalhando aspectos da vida e da arte, Arte e biologia molecular. Possui uma visão sobre  o híbrido, e o hibridismo na vida de forma singular. Além dele temos nomes cariocas importantes, e que também já ao longo dos anos tem contribuído de forma grandiosa a reflexão nestes campos como Guto Nobrega, Bernardo Oliveira e Ivan Henriques.

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Você é o idealizador do FAD, que atua desde 2007 entre os eixos da arte, comunicação e tecnologia, nasceu em Belo Horizonte e, agora, traz a Bienal para o Rio. Pretende torná-la um evento nacional futuramente?

Conjuntamente com o artista digital Henrique Roscoe à época (2007) idealizamos o FAD, dando início a um festival focalizado em Performances Audiovisuais, muito por nossa atuação no período como artistas digitais de performance audiovisuais. A partir daquele momento, percebeu-se que havia uma lacuna (2006) em Belo Horizonte e no Estado de Minas Gerais, para o fomento por meio de um festival da criação de público e produção autoral de artes digitais. O FAD buscou dar continuidade a ações pioneiras, que tiveram início ha mais de 30 anos no Brasil, (Waldemar cordeiro entre outros), mas a partir de novas perspectivas possíveis diante de um cenário de políticas culturais vigentes e fortalecidas favoráveis quando do seu surgimento no cenário cultural brasileiro. (Ministro Gilberto Gil). Sempre tivemos em mente, seja o FAD ou qualquer outro evento que se proponha a discutir arte e tecnologia no Brasil, conduz no presente, um histórico antecessor de nomes pioneiros importantes quando o assunto é arte e tecnologia. São discussões de mais de três décadas, que sem esse esforço destes nomes atuantes, não seriamos um campo tão avançado no Brasil. Com este pensamento o que é realizado nesse momento é a produção da Bienal de Arte Digital como uma agenda para as artes no Brasil. Uma agenda necessária na perspectiva de uma sociedade imersa na informação, nas tecnologias conduzida por um capital voraz. Neste ano de 2018, a Bienal, convidada ao Rio pelo Oi Futuro também circula por Belo Horizonte. A intenção é que a Bienal possa pertencer a uma agenda nacional, no sentido de sua representatividade e relevância na produção de novas dimensões críticas para a arte tecnológica no Brasil, e que se tornaria interessante descentralizar a sua fisicalidade do sudeste. O hibridismo proposto enquanto linguagem nesta edição, propõe inclusive uma alteração das nossas percepções do local e o global, o real e virtual. Já consideramos que ao menos no ponto de vista de agenda, as discussões são multi-fronteiras.

O que o fez trilhar na área de artes digitais e como você vê, como pesquisador, esse campo nos próximos dez anos?

Minha atuação nas artes partiu inicialmente de uma relação com a música. Consequentemente diante das possibilidades tecnológicas de produção não linear em softwares em meados de 97, 98. A música eletrônica foi central nesta fase. Mas além da expansão inevitável das técnicas e adesões do audiovisual e do computacional no “fazer” arte,  a compreensão do campo da cultura, partindo das contraculturas por meio das possibilidades tecnológicas ao longo do tempo me levaram em segundo momento, de forma bastante empírica a buscar o entendimento sobre a integralidade da arte em meio a sociedade de processos industriais, políticos, científicos e tecnológicos. Durante os últimos 10 anos, e de maneira mais formal e acadêmica, foram produzidos arcabouços teórico-práticos que me conduziram a permanecer neste campo, pois quanto mais se escava nele, mais perguntas do que respostas me fazem me mover dentro dele. De maneira bastante particular, não conseguiria prever qualquer dimensão futurística a respeito das artes digitais e tecnológicas. Sobretudo porque por maior sujeição, rejeição  ou encantamento que tenhamos com um mundo a caminho do antropoceno, tanto na perspectiva da tecnofilia (otimistas) ou tecnofobia (pessimistas), algo me induz, que menos que preocupados com os robôs, devemos pensar sobre nós mesmos. E por isso pensar a sociedade a partir das artes. Pensa-la na perspectiva de que a arte digital é a nossa arte, então é preciso compreender sua linguagem. Nela vão estar contidas “chaves” possíveis de pensar o caminho que estamos tomando. Neste sentido, os próximos 10 anos é possível imaginar que as biocriações representem  cada vez mais linguagens de código, como o genético, e o estudo da informação ao campo das artes digitais seja um amplo e vasto cenário de exploração, na compreensão do que estaremos criticando e refletindo de nossa sociedade através desta arte agora tecno-híbrida.